Você não é a salvação de ninguém
Vou começar dizendo que acredito, sim, que o amor pode vir a mudar as
pessoas. A convivência com quem amamos abre os nossos olhos e mentes
para o que antes parecia inimaginável. Quer exemplo maior do que os
filhos? Eles desmoronam as nossas verdades e fazem com que o mundo ganhe
outro sentido. É assim também com o relacionamento com nossos irmãos,
pais, cônjuges, amigos.
Quantas coisas você não fazia e passou fazer por influência de alguém
que amava? Praticar uma atividade física, experimentar uma comida, ler
determinado autor, fazer algum tipo de programa, se arriscar numa viagem
de aventura, redigir um livro, começar um curso, mudar de curso. E
também aceitar determinadas diferenças, perceber seus preconceitos,
rever pontos de vistas.
No entanto, por mais que as pessoas mudem em detrimento de um
relacionamento, elas só mudam se quiserem. Não mudam por imposição. Por
obrigação. Porque o outro quer. Porque alguém pediu. Há quem mude,
porque o companheiro ameaçou separar, brigou ou gritou. O que,
convenhamos, não é saudável e configura um relacionamento abusivo. Tema
para outra crônica.
Eu quero falar da crença que nos enfiam goela abaixo de que somos
responsáveis pela felicidade do outro e pela mudança daquelas que
convivem conosco. Principalmente quando se trata de cônjuges. E mais: do
fardo que colocam sobre os ombros das mulheres, como se fôssemos
salvadoras das almas alheias. Porque simplesmente não somos.
Diversas vezes já escutei, inclusive de mulheres, que fulano piorou,
regrediu, deixou de estudar ou qualquer outra coisa, por culpa da
mulher. Por favor, parem. Pessoas não são propriedades privadas e não
agem de acordo com os comandos alheios como se fossem marionetes – ou
não deveriam. Até coisas mais simples, como ver um homem mal arrumado e
exclamar “onde estava a mulher desse cara que o deixou sair com essa
roupa”? eu já presenciei.
Se o homem trai, não raro, culpam a mulher. Especulam que ela deve
ser feia, chata, não gosta de sexo e não é boa o bastante – porque se
fosse o cara não procurava outra fora de casa. Poucos imaginam que,
independente de quem seja a companheira dela, simplesmente esse homem
não sabe respeitar o relacionamento que tem.
A frase “por trás de um grande homem existe uma grande mulher” me
incomoda profundamente. Não só por colocar a mulher em uma posição
secundária, mas principalmente por nos responsabilizar pelo sucesso ou
insucesso do outro. Casais cuidam um do outro, se preocupam um com o
outro, mas não fazem pelo outro.
Quando o relacionamento é saudável aprendemos com o outro, sim. E o
outro aprende conosco. O que significa que somos modificados pelas
experiências que passamos juntos. E isso é lindo. Mudamos de ideia,
voltamos atrás, fazemos coisas que antes julgávamos impossíveis. Porque
estamos constantemente em aprendizado e desenvolvimento.
Mas se a pessoa é viciada em drogas, violenta, desonesta ou tem
qualquer outro tipo de conduta inadequada não adianta acreditar que ela
vai mudar por amor. Ou pelo amor que você sente por ela. Você pode
indicar um grupo de narcóticos anônimos, levar numa terapia, conversar,
falar, explicar, brigar. Que ela só vai mudar se quiser. Por vontade
própria. E não podemos nos culpar por isso. Não podemos nos mutilar por
isso.
É inútil acreditar que somos responsáveis por todas as ações daqueles
que convivem conosco e devemos tolerar tudo por amor. Adultos cuidam de
si mesmos e são ajudados quando dão oportunidade. Você pode dar a mão
para quem está no buraco, jogar uma corda, mas a pessoa só será salva se
agarrar, por vontade própria, os recursos que foram dados.
São muitas as pessoas que caem na cilada de acreditar que não capazes
de mudar o outro. Dão mais uma chance para ver se as coisas melhoram.
Aturam coisas inimagináveis, porque ouviram que agora são uma só carne e
precisam se responsabilizar por todos os problemas.
O amor é capaz de transformar as pessoas, mas, volto a dizer: quando
as pessoas querem. Estão abertas a isso. Querem também o bem do outro e
se preocupam com o bem-estar comum. Caso contrário é só sacrifício.
Drama. Tristeza. Sofrimento. Fardo. Muitas vezes, solitário. Como se a
pessoa tivesse nadando sozinha contra uma correnteza, com o agravante de
estar carregando alguém nas costas.
Deve ser muito difícil ver a pessoa que amamos se afundando, fazendo
escolhas erradas, se envolvendo em problemas, procurando soluções em
drogas. E é louvável que seja feito de tudo para que a pessoa saia da
situação na qual se encontra. Mas ninguém tem responsabilidade pelas
escolhas alheias. E, mais do que isso: ninguém salva ninguém.
Fonte: http://www.asomadetodosafetos.com/2016/08/voce-nao-e-a-salvacao-de-ninguem.html
Pessoas com problemas precisam de apoio, atenção, ajuda. Mas só se
livram dos próprios problemas se tiverem consciência sobre eles e
resolvem mudar. Elas precisam querer mudar. Elas precisam escolher outra
opção de trilhar a sua jornada.
Mesmo quando andam juntas, cada pessoa tem uma maneira de olhar o caminho e chegar ao fim da mesma estrada.
Fonte: http://www.asomadetodosafetos.com/2016/08/voce-nao-e-a-salvacao-de-ninguem.html
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